O apego
Iemanjá levou-me uma pérola. Dizem que ela é vaidosa. Procurei no meio da areia mas o mar já a tinha levado para longe. Iemanjá gosta de jóias, disse-me uma vez um amigo, é por isso que ela te leva os brincos. Tenho uma caixa de brincos solitários. Sim, Iemanjá hoje levou-me uma pérola. Quem me manda levar pérolas para o mar? Mas a avidez de lá entrar neste santo dia de Outono foi mais forte. Não acredito nem desacredito em Iemanjá. Respeito todas as crenças. Simplesmente gosto desta metáfora do arquétipo feminino do mar. Então pensei no apego. Na quantidade de coisas que nos esquecemos de “tirar” ao longo da vida. Aquelas que achamos que nos vão fazer falta mais tarde, que nos trazem boas memórias ou que nos fizeram um dia sorrir. Coisas, lugares, pessoas… Aquelas que insistimos em carregar na nossa velha caixa de jóias que, de tão cheia que está, não deixa lá entrar mais nada. Ganha até uma identidade própria. E nós cobardemente repetimos a proeza, como quando nos sentamos em cima de uma velha mala para a fechar. Mas, Iemanjá levou-me uma pérola. Deixou-me um espaço na orelha. Talvez eu possa colocar lá algo novo. A Natureza é sábia. Aquilo que não temos coragem de deixar para trás irá ser deixado de uma forma ou de outra. Obrigada “Rainha do Mar”.